Adoçantes vs. Açúcar: o que a ciência sugere?
Nosso mundo moderno está sempre em busca de soluções mais "saudáveis" para o que consideramos "vilões" alimentares. Um dos debates mais quentes nos últimos anos tem sido sobre o açúcar e seus substitutos: os famosos adoçantes, ou edulcorantes. Eles prometem o sabor doce sem as calorias, parecendo a resposta perfeita para quem busca controlar o peso ou gerenciar condições como o diabetes.
Mas será que essa promessa se mantém no longo prazo? Adoçantes são realmente a opção "melhor" que o açúcar quando olhamos para a nossa saúde em uma perspectiva duradoura? Uma recente e muito abrangente revisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2022, baseada em centenas de estudos, nos oferece um panorama complexo e fascinante. Vamos entender o que a ciência diz, em termos simples.
A doçura de curto prazo
Quando olhamos para estudos de curta duração, como os Ensaios Clínicos Randomizados (RCTs) – que são considerados o "padrão ouro" da pesquisa científica por controlarem muitas variáveis –, a notícia para os adoçantes parece boa. A grande revisão da OMS analisou esses estudos e observou que a substituição de bebidas açucaradas por bebidas adoçadas com adoçantes não calóricos (NSS, na sigla em inglês) levou a uma pequena, mas significativa, redução no peso corporal e no Índice de Massa Corporal (IMC) em adultos.
Pense nisso: se você trocar seu refrigerante comum por um "diet" ou usar adoçante no café em vez de açúcar, você estará ingerindo menos calorias. Essa diminuição de calorias é o que, no curto prazo, pode levar à perda de peso. A ciência sugere que essa redução de peso acontece porque os adoçantes ajudam a cortar a ingestão total de energia, especialmente quando eles substituem o açúcar diretamente. O documento destaca que a ingestão de energia diminuiu em cerca de 569 kJ (aproximadamente 136 kcal) por dia quando os adoçantes foram usados para substituir o açúcar. É como usar um "atalho" para diminuir as calorias que você consome.
Além disso, para a maioria dos marcadores de saúde cardiometabólica (como níveis de glicose, insulina e colesterol), os estudos de curto prazo não mostraram efeitos negativos preocupantes. Então, à primeira vista, parece uma troca vantajosa.
Longo prazo: o lado menos doce da história
Aqui é onde a trama fica mais interessante e as coisas se complicam. Quando os pesquisadores da OMS analisaram estudos de longo prazo, como os estudos de coorte (que acompanham grandes grupos de pessoas por muitos anos), o cenário mudou. Nesses estudos, a ingestão de adoçantes não calóricos foi associada a um aumento do risco de obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e até mesmo da mortalidade por todas as causas.
Por exemplo, a revisão mostra que a maior ingestão de adoçantes foi associada a um risco 76% maior de obesidade e um aumento significativo no risco de desenvolver diabetes tipo 2 (cerca de 23% para adoçantes em bebidas e 34% para adoçantes de mesa). Há também associações preocupantes com doenças cardíacas e AVC. Para o câncer, a revisão não encontrou uma associação geral, mas apontou um aumento no risco de câncer de bexiga ligado ao consumo de sacarina, embora a certeza dessa evidência seja baixa.
Essa diferença entre o curto e o longo prazo levanta uma grande questão: por que o que parece ajudar no início, pode trazer riscos depois?
Por que os resultados são diferentes?
A ciência ainda está tentando entender completamente essa complexidade, mas algumas teorias importantes foram levantadas pela própria revisão da OMS:
Causalidade reversa: imagine que uma pessoa já está acima do peso ou em risco de desenvolver diabetes. É natural que ela comece a procurar alternativas "sem açúcar" para tentar melhorar sua saúde. Nesses casos, os adoçantes não seriam a causa da obesidade ou do diabetes, mas sim um resultado da condição preexistente da pessoa. Ou seja, as pessoas já com problemas de saúde podem ser as que mais consomem adoçantes, criando uma associação que não é de causa e efeito. A revisão da OMS destaca que, mesmo ajustando para esses fatores, as associações com diabetes tipo 2 e AVC persistiram em muitos estudos, sugerindo que a causalidade reversa pode não ser a única explicação.
Padrões de consumo no "mundo real": em um RCT, o consumo de adoçantes é cuidadosamente controlado – a pessoa realmente troca o açúcar pelo adoçante. Mas, na vida real, o comportamento é mais complexo. Muitas vezes, as pessoas usam adoçantes além do açúcar, e não como substituto. Ou, podem sentir que, ao consumir um produto "diet", têm uma "carta branca" para consumir outras guloseimas calóricas, o que anularia qualquer benefício calórico. A pesquisa da OMS sugere que o consumo combinado de adoçantes e açúcares pode, na verdade, levar a uma maior ingestão total de energia.
Mecanismos biológicos complexos: a ciência começa a explorar como os adoçantes podem afetar nosso corpo de maneiras que ainda não compreendemos totalmente. Por exemplo, eles podem influenciar a microbiota intestinal (as bactérias que vivem em nosso intestino), que desempenha um papel crucial na digestão e no metabolismo. Além disso, a forma como os adoçantes interagem com nossos receptores de sabor e a resposta do cérebro à doçura sem calorias também está sob investigação. Alguns estudos sugerem que a ausência de calorias em algo doce pode "confundir" o corpo, afetando o metabolismo da glicose a longo prazo.
Crianças e grávidas
A revisão da OMS também dedica atenção especial a crianças e mulheres grávidas, onde a evidência é mais limitada, mas levanta bandeiras de alerta. Embora um RCT grande e bem conduzido tenha mostrado uma pequena redução na adiposidade em crianças que substituíram bebidas açucaradas por NSS, outros estudos não corroboraram isso.
Para mulheres grávidas, a ingestão de NSS foi associada a um risco aumentado de parto prematuro. Há também indícios (com certeza de evidência muito baixa, o que significa que precisamos de muito mais pesquisa) de que o consumo de adoçantes durante a gravidez pode estar ligado a um maior risco de sobrepeso/obesidade e até mesmo a pontuações cognitivas mais baixas na descendência. Esses são sinais de alerta que exigem mais investigação.
O veredito
A resposta, baseada na ciência mais recente e abrangente da OMS, é não é um "sim" simples. Embora os adoçantes possam ser uma ferramenta útil para a redução de calorias no curto prazo, especialmente quando usados para substituir o açúcar em uma estratégia clara de redução de peso, os estudos de longo prazo sugerem que eles não são uma "solução mágica" e podem estar associados a riscos para a saúde, incluindo um maior risco de obesidade e doenças crônicas como diabetes tipo 2 e problemas cardiovasculares.
A complexidade reside em como os adoçantes são usados no dia a dia e nas interações do nosso corpo com eles. A ciência não oferece uma licença para o consumo ilimitado de adoçantes, nem os posiciona como uma alternativa universalmente "saudável" ao açúcar em todas as situações.
O que fazer então?
Moderação: se você usa adoçantes, use com moderação e com um propósito claro de reduzir a ingestão de açúcar e calorias totais. Não os use como desculpa para consumir mais alimentos calóricos.
Priorize a água: a melhor bebida para a sua saúde continua sendo a água pura.
Valorize o sabor natural: tente reduzir sua preferência por alimentos e bebidas muito doces, sejam eles adoçados com açúcar ou adoçantes. Opte por frutas e alimentos integrais, que oferecem doçura natural e muitos nutrientes.
Consulte um profissional: se você tem dúvidas sobre sua dieta ou o uso de adoçantes, um nutricionista pode te orientar de forma personalizada, considerando suas necessidades e seu contexto de saúde.
A ciência continua evoluindo, mas o que sabemos hoje é que o caminho para uma saúde de longo prazo não está em atalhos, mas sim em escolhas alimentares conscientes, equilíbrio e moderação. A doçura da vida pode ser encontrada em muitos sabores, e nem todos precisam vir de um pacotinho ou de uma embalagem "zero".